Precisão do desenho e planejamento, adoção de uma legislação adequada e responsável e criação de um plano de financiamento seguro e viável. Estas são as apostas do novo pacto global para solucionar a divisão social e urbanística das cidades.
Por detrás de um belo edifício há muito mais que desenho inovador ou obra estonteante. Invisível aos olhos de um admirador comum, sua construção exige o respeito a regras claras, que não infrinjam no marco jurídico determinado para a edificação. Demanda também um plano de financiamento sólido que permita sua elevação segura e precisa.
Ignorar o conjunto desses três fatores pode resultar em um desastre arquitetônico. Por sua vez, multiplicar esse erro e negligenciar essa tríplice aliança no crescimento das cidades pode provocar uma catástrofe urbanística. Durante anos, a expansão de centros urbanos, principalmente na América Latina, seguiu esta lógica de dispersão. De um lado, surgiram “cidades muradas”, zonas residenciais restritas a um seleto grupo de cidadãos. Por outro, assentamentos informais dominaram a paisagem urbana, gerando mais desigualdade e exclusão. Um paradoxo difícil de solucionar.
A criação da Nova Agenda Urbana busca dar resposta a essa crescente dicotomia. Hoje atores e setores atuam como elos independentes da mesma corrente, que separados, não levam a lugar nenhum. À falta de diálogo e interdependência, o resultado é um desenvolvimento compartimentalizado.
Outros componentes que emaranham essa dinâmica residem em políticas locais antiquadas, interesses partidários e centralização de decisões na esfera nacional. A urbanização galopante, a falta de regulamentação do solo e a carência de recursos próprios locais para a gestão de melhorias adequadas - especialmente em infraestrutura e provisão de serviços básicos - são outros fatores que incrementam esse contrassenso.
O que propõe a nova agenda urbana é a ruptura desse círculo vicioso. Em consenso, líderes mundiais adotaram em outubro esse conjunto de diretrizes para promover o desenvolvimento urbano sustentável. O documento defende o fortalecimento de ações concretas de longo prazo, que impactem a cidade como um todo, viabilizadas por mecanismos sólidos de financiamento e instrumentos eficazes de controle.
Reinvenção das metrópoles
Este é caminho que a cidade de São Paulo escolheu há dois anos. A aprovação do novo Plano Diretor, que norteará o desenvolvimento e crescimento da cidade nos próximos 16 anos, representa uma mudança de paradigma na metrópole brasileira a favor de um reequilíbrio das desigualdades socioterritoriais. Uma fórmula já referenciada internacionalmente como boa prática por seguir à risca a Nova Agenda Urbana.
A proposta para reorganizar uma das maiores metrópoles do mundo é resultado de uma extensa consulta popular, que incluiu mais de 100 audiências públicas. Entre os princípios acordados estão a valorização do transporte público, criação de emprego em áreas de grande acumulação demográfica e construção de moradias populares. Ideias tão simples como a criação de fachadas ativas dinamizam passeios públicos, aumentam a segurança e otimizam o setor de comércio e serviços locais. As normas aprovadas também impõem detalhados critérios de edificação e precificam da construção e do uso do solo, segundo o local e projeto ensejado. A tributação gera um fluxo de capital constante responsável por viabilizar projetos de revitalização da cidade e de coesão social.
Inspiração para a América Latina e o Caribe
Buscando disseminar bons exemplos de cidades sustentáveis, o escritório regional para a América Latina e o Caribe do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) lançou a chamada pública “Práticas Inspiradoras para a Nova Agenda Urbana”. O objetivo é identificar projetos que liderem o caminho para o desenvolvimento urbano sustentável de maneira integrada.
Até o dia 16 de dezembro, organizações, instituições, municípios e cidadãos poderão evidenciar os processos de desenvolvimento e os resultados obtidos por projetos que conseguiram fazer a diferença no cotidiano das cidades. ONU-Habitat e suas organizações associadas escolherão quatro finalistas, cujas práticas serão transformadas em estudos de caso e referenciadas como exemplos para a região. O reconhecimento serve como um termômetro para a região da América Latina e o Caribe, explorando como os princípios da Nova Agenda Urbana foram difundidos e estimulando o intercâmbio de conhecimento entre municípios e/o organizações afins.
Maior horizontalidade
Neste sentido, a difusão de boas práticas e transferência de conhecimento representam oportunidades únicas de estimular a criatividade e proporcionar soluções viáveis tanto para o desenvolvimento sustentável urbano como para a criação de sociedades mais justas.
Recomendações para alcançar esse modelo mais democrático incluem empoderar e capacitar autoridades e gestores urbanos e aprimorar a participação cidadã. Além dos benefícios da formação tradicional, a exposição de funcionários e autoridades a melhores práticas, redes de especialistas e grupos de discussão contribui a criar procedimentos e uma gestão mais eficaz e eficiente. O aprendizado se centra em exemplos práticos e conversas atuais sobre as tendências urbanas de sucesso, criando alicerces baseadas no capital humano, decisões informadas e conscientes e adoção e adaptação de fórmulas já comprovadas para promover um progresso sustentável.
Por outro lado, a participação cidadã possibilita a incorporação de demandas de parcelas significativas da população, incluindo aquelas provenientes de mulheres, idosos, moradores de assentamentos precário, jovens e crianças e deficientes, facilitando o avanço para uma sociedade mais justa e igualitária. Envolver os cidadãos nas decisões e execuções de operações e políticas também é uma forma de impulsionar transparência, responsabilização na aplicação de normas e legislação e maior controle orçamentário.
Um exemplo de sucesso de participação e inclusão aparece documentado em “Transferindo Melhores Práticas”, um relatório de referência produzido pelo Programa da ONU para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat). Seguindo o exemplo de Porto Alegre, em 2003 o Congresso da República do Peru aprovou a Lei Marco do Orçamento Participativo com a intenção de promover a participação cidadã na decisão orçamentária, e assegurar mecanismos de vigilância e fiscalização da gestão de recursos financeiros. O distrito de Villa El Salvador, Lima, no entanto, deu um passo além ao incorporar à esta estratégia a perspectiva de gênero e, dessa forma, catalisar a aprovação de leis e projetos sensíveis a essa questão.
Veja também os outros três artigos dessa série, por ONU-Habitat:
Chamada pública reconhecerá projetos que se inspiram na Nova Agenda Urbana
Melhores Práticas Urbanas podem apoiar as cidades na implementação da Nova Agenda Urbana
Cidades do futuro investem na revitalização de espaços urbanos